Tuesday 24 March 2009

THE TRUE TITANIC!


"Titanic ou o poema dos serviçais


Quando o Titanic afundou
salvou-se o sangue de primeira
o sangue azul que não coagula
o pseudo-sangue que não ferve
o sangue azul gelado
como as águas do Atlântico
E foi providencial o Titanic bater num iceberg
Pois nada anunciaria dentro do navio
que havia desigualdade social
tudo era tão perfeito e tantas luzes
A camareira que não resmunga
O cozinheiro que não se destempera
Tudo era uma festa do sangue azul
E o sangue vermelho serviçal
não poderia escorrer de si
senão para dentro da lavanderia e da cozinha
senão para dentro das obrigações comezinhas
lavar o chão
cozinhar
Limpar banheiros que não fedem (?)
Como se o sangue pudesse se conter nas veias
como um trabalho qualquer se contém dentro da carteira de trabalho
Fora o ódio contra o patrão
Mil corpos jogados ao mar gelado: o Titanic afundou
Salvou-se o sangue que não se contém: o sangue champagne
O sangue que se esparramava com alegria pelos tapetes
e pelos salões de jogos e danças
Ficou a lembrança daqueles que foram salvos pelos barcos
salva-vidas?
Não, estes não foram feitos para serem salvos
A riqueza e o orgulho já os justifica
Felizes os infelizes que só poderão ser salvos pela memória
Porque a memória é mais justa que um mero livro de passageiros
É mais justa que os cartórios e mais fiel que as certidões de óbito
Um brinde à memória dos cozinheiros
Um brinde à memória das lavadeiras
E brindamos com a água fria do Atlântico
Nada mais perene que a memória
Felizes os que ficaram pela memória
com seus gestos indubitáveis:
lavar a roupa aos olhos de todos
servir vinho aos olhos de todos
ser escravo aos olhos de todos
Que a memória de um homem é o céu mais perfeito que pode existir
E do Titanic os mortos saúdam
todos os demais trabalhadores
e todos aqueles esquecidos da vida:
que sempre haverá alguém
que com sua memória os saudará na escuridão perpétua dos dias"

Gustavo Ferreira Rossi

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